Destruidor do Aquecimento
No Parque Nacional Denali, o aumento da temperatura começou a afetar a vida selvagem | Foto: Anthony Rhoades
“Isso significaria uma liberação de dióxido de carbono e metano, que aumentaria o aquecimento devido à queima de combustíveis fósseis.”
Em artigo publicado em 2012 na revista científica Nature, Schaefer e seus colegas sugerem que os eventos de aquecimento súbito ocorridos anteriormente foram essencialmente desencadeados pela liberação de dióxido de carbono e metano do permafrost há cerca de 50 milhões de anos na Antártida.
E as projeções não parecem otimistas: “Teoricamente, se esse carbono for liberado para a atmosfera, a quantidade de CO2 será três vezes maior do que a que está lá (na atmosfera) agora”, diz Romanovsky.
Desta forma, há uma genuína retroalimentação, uma vez que o aquecimento aumenta em decorrência da queima de combustíveis fósseis.
Mas, apesar do fato de o aquecimento estar acelerando, os efeitos da retroalimentação serão graduais, levando tempo para serem sentidos.
“É um feedback muito lento”, diz Schaefer.
“Imagine tentar conduzir um navio a vapor com o remo de uma canoa, esse é o tipo de feedback que estamos falando”, compara.
Infelizmente, uma vez que o permafrost começa a derreter, é difícil congelá-lo novamente – pelo menos enquanto estivermos vivos. Além disso, a partir do momento que material sai do solo e vai para a atmosfera, não existe uma maneira fácil de enviar esse carbono de volta ao chão.
“A única maneira de fazer isso seria baixar a temperatura global e congelar de novo o permafrost, o que significaria que você estaria removendo o dióxido de carbono da atmosfera”, diz Schaefer.
Segundo Romanovsky, os modelos climáticos mostram que os atuais compromissos intergovernamentais para reduzir o aquecimento global – conforme estabelecido no Acordo de Paris – podem não ser suficientes.
Em artigo publicado em 2016 na revista Nature Climate Change, a pesquisadora Sarah Chadburn e seus colegas estimam que, mesmo que o clima fosse estabilizado, conforme acordado pelos 196 países em 2015, “a área de permafrost seria eventualmente reduzida em mais de 40%.”
No entanto, após o anúncio do presidente Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, em junho do ano passado, é de se esperar uma perda ainda maior de permafrost no horizonte.
O jogo de culpa
O Alasca é um Estado conservador politicamente, então quem está de fora pode supor que seus moradores rejeitam a ideia do aquecimento global. Mas a realidade é mais complexa.
Uma pesquisa realizada no início deste ano pelo Alaska Dispatch News, com um total de 750 participantes, mostrou que mais de 70% da população local está preocupada com os efeitos da mudança climática.
“No Alasca, a quem você perguntar, vai responder ‘sim, há aquecimento'”, afirma Romanovsky.
“Quanto mais para o norte você for, especialmente no noroeste, mais forte é esse sentimento. Porque está acontecendo, você consegue ver. Claro, a questão sobre de quem é a responsabilidade depende das crenças políticas.”
No Parque Nacional Denali, a guarda florestal Anna Moore testemunhou como o aquecimento pode afetar em pouco tempo a vida selvagem.
Ela reparou que a lebre do ártico, que muda a cor da pele de acordo com as estações do ano para se camuflar, parece não estar acompanhando mais as mudanças, como resultado do aumento da temperatura, o que a deixa mais exposta a predadores.
O impacto destruidor do aquecimento global no Alasca
É um dia quente de julho, e o cientista está procurando uma caixa que ele e sua equipe deixaram no solo. Ela está escondida cerca de 10 quilômetros ao norte do Instituto de Geofísica da Universidade do Alasca, em Fairbanks, onde Romanovsky é professor de geofísica e responsável pelo Laboratório de Permafrost.
O recipiente, coberto por galhos de árvores, contém um coletor de dados conectado a um termômetro, instalado abaixo do solo para medir a temperatura do permafrost em diferentes profundidades.
O permafrost é qualquer material terrestre que permaneça a 0°C ou abaixo dessa temperatura por pelo menos dois anos consecutivos.
Image caption Vladimir Romanovsky coleta registros de temperatura abaixo do solo da floresta | Foto: Anthony Rhoades
Romanovsky conecta então seu laptop ao coletor de dados para transferir os registros de temperatura desta localidade, chamada Goldstream 3, que mais tarde serão adicionados a um banco de dados online, acessível tanto para cientistas quanto para qualquer pessoa interessada.
“O permafrost é definido com base na temperatura. Esse é o parâmetro que caracteriza a sua estabilidade”, explica o professor.
Quando a temperatura do permafrost é inferior a 0°C, por exemplo, – 6°C, ele é considerado estável, o que significa que vai demorar muito para mudar ou descongelar. Já se está perto de 0°C, é classificado como vulnerável.
Todo verão, a porção de solo que cobre o permafrost, chamada de camada ativa, derrete – e congela de novo no inverno seguinte.
Em Goldstream 3, naquele dia de julho (verão no hemisfério norte), o derretimento chegava a 50 cm de profundidade.
Image caption Solo escuro indica a presença de carbono orgânico acumulado | Foto: Anthony Rhoades
À medida que a Terra aquece e as temperaturas aumentam no verão, o degelo está se expandindo e ficando mais profundo, fazendo com que o permafrost fique menos estável.
Se o derretimento continuar, haverá consequências profundas para o Alasca e para o mundo. Cerca de 90% do Estado é coberto por permafrost, o que significa que vilarejos inteiros precisarão ser realojados, conforme as fundações dos edifícios e as estradas desmoronarem.
E se o permafrost liberar o carbono acumulado e retido há milênios dentro dele, poderá acelerar o aquecimento do planeta – muito além da nossa capacidade de controlá-lo.
Estado de vulnerabilidade
À medida que o permafrost derrete, casas, estradas, aeroportos e outras infraestruturas construídas sobre o solo congelado podem rachar e até mesmo ruir.
“Estamos vendo mais serviços de manutenção em estradas que passam sobre o permafrost”, diz Jeff Currey, engenheiro de materiais do Departamento de Transportes Públicos do Alasca.
“Um dos nossos superintendentes de manutenção contou recentemente que sua equipe está tendo que remendar certos trechos das rodovias com mais frequência do que há 10 ou 20 anos.”
Da mesma forma, as infraestruturas construídas no subsolo – para atender os serviços de utilidade pública, por exemplo – estão sendo afetadas, conforme as temperaturas aumentam.
“Em Point Lay, na costa noroeste do Alasca, por exemplo, eles estão tendo todos os tipos de problema com as redes de água e esgoto no solo de permafrost”, afirma William Schnabel, diretor do Centro de Pesquisa de Água e Meio Ambiente da Universidade do Alasca.