Mais rápido do que se imaginava
O derretimento submarino das geleiras de maré, como esta no Alasca, ocorre 100 vezes mais rápido que o estimado pelos cientistas com base nos modelos teóricos.
FOTO DE JIM MONE/ AP
UMA NOVA FORMA de medir como algumas geleiras derretem abaixo da superfície da água revelou algo surpreendente: algumas geleiras estão derretendo 100 vezes mais rápido do que acreditavam os cientistas.
Em um novo estudo, publicado na revista científica Science, uma equipe de oceanógrafos e glaciólogos apresenta uma novidade para o conhecimento das geleiras de maré — geleiras que desembocam no oceano — e seus processos dinâmicos.
“Eles descobriram que o degelo que ocorre hoje é bastante diferente das suposições anteriores”, conta Twila Moon, glacióloga do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo da Universidade do Colorado em Boulder, que não participou do estudo.
Uma parte do desmembramento e derretimento glacial consiste em um processo normal que ocorre nas geleiras durante a transição das estações, do inverno para o verão, e também durante o verão. Contudo, o aumento da temperatura acelera o derretimento das geleiras em todo o mundo, principalmente em função do degelo que ocorre na superfície da geleira, mas também do degelo que acontece sob a água.
As geleiras podem se estender por centenas de quilômetros abaixo da superfície, explica Ellyn Enderlin, glacióloga da Universidade Estadual de Boise, que não participou do estudo. Constatar índices maiores de degelo sob a água indica que as “geleiras são muito mais sensíveis às mudanças que ocorrem no oceano do que se pensava”. Compreender os processos de derretimento e calcular a velocidade do degelo com precisão é essencial para desenvolver um planejamento para a elevação do nível do mar.
“Só o fato de conseguirmos obter esses dados já é bastante empolgante”, diz o principal autor do estudo, David Sutherland, oceanógrafo da Universidade de Oregon. “Não tínhamos 100% de certeza de que daria certo”.
O monitoramento de geleiras específicas por um longo período pode oferecer aos pesquisadores — e a alunos do Ensino Médio — uma ideia do derretimento causado pelas mudanças climáticas. Alunos da Petersburg High School, escola de Ensino Médio localizada próximo de LeConte Bay, começaram a coletar dados sobre a posição final da geleira em 1983. A observação sobre o recuo da geleira realizada pelos alunos há alguns anos alertou os cientistas da University of Alaska Southeast, despertando interesse em entender melhor o processo de derretimento.
Medição de massas de gelo em processo de derretimento
No Nalukataq, o festival de pesca de baleias de Utqiaġvik, pessoas celebram uma produtiva temporada de baleias e agradecem a graça da fartura. Baleeiros bem-sucedidos são jogados para cima pelo grupo. A prática vem de séculos e estimula a intimidade entre os aldeões.
Os cientistas repetiram suas observações durante dois verões, obtendo diversas análises em cada viagem.
“Escanear a face de uma geleira diversas vezes durante o verão não foi uma tarefa fácil”, conta Eric Rignot, glaciólogo da Universidade da Califórnia em Irvine, que não participou do estudo.
Muito gelo na frente da geleira significa que “o barco não consegue atravessar o gelo”, explica Rignot. Consequentemente, algumas vezes o barco teve de ser recuado rapidamente da face da geleira, enquanto os cientistas torciam para que o equipamento não tivesse quebrado e caído na água.
Simultaneamente, uma equipe de glaciólogos ficou acampada em uma colina observando a geleira. O papel deles era cuidar de um radar que media o movimento natural da geleira. Câmeras com o recurso time-lapse foram utilizadas para medir o fluxo da geleira e informar a velocidade na qual o gelo se movimentava para o oceano, conta Jason Amundson, glaciólogo e coautor do estudo da University of Alaska Southeast.
O gelo glacial acelera à medida que o gelo se aproxima da face da geleira, no local onde desemboca no oceano, diz Moon. Ela compara o movimento do gelo com o ato de apertar um tubo de pasta de dentes: quando a pasta de dentes chega ao fim, não há nenhuma sobra da pasta bloqueando a passagem, portanto, ela se movimenta de forma mais rápida. O gelo próximo da face da geleira pode se mover 22 metros por dia, e constatar essa velocidade é essencial para calcular o derretimento.
A partir dessa base de dados, os pesquisadores puderam calcular a velocidade total de degelo da parte submersa da geleira: duas ordens de grandeza acima do esperado. Rignot disse que um dos modelos teóricos, utilizado durante cerca de 20 a 30 anos, era conhecido como uma versão simplificada que não funcionava perfeitamente.
Em uma geleira de maré ocorrem diversos processos de degelo, por isso o mistério do derretimento foi solucionado pelos cientistas a partir de vários ângulos. Se um grande bloco de gelo estivesse em uma banheira e nada mais estivesse acontecendo ali, ele simplesmente derreteria a uma velocidade normal.
Quando uma coluna de água doce proveniente do derretimento da superfície entra no fiorde, ela atinge o fiorde próximo da face da geleira. A água doce, que é mais leve, sobe para a superfície e em seguida destrói, ou desgasta, a face da geleira.