Imprensa e a Liberdade e a Liberdade de opinião
OPINIÃO
Resumindo e concluindo, e tentando manter o tom irónico do juiz Ivo Rosa, visto que numa instrução penosa a ironia acusatória da acusação, com uso basto de adjetivo, sobrepõe-se à equidistância.
Nada acaba em Portugal. Em Portugal, tudo tem uma instância superior adiada no tempo, o chamado futuro. Os ingénuos que pensam que esta telenovela acaba aqui, não percam os próximos capítulos e um curso de teoria geral destinado a dar uma educação sobre termos jurídicos que vai bater aos pontos a educação geral sobre vírus e vacinas. Toda a gente vai falar em extração de certidão, em nova investigação do sorteio ou do processo havendo que diferenciar entre a entrega manual e a eletrónica, tal como há que estabelecer a diferença entre juiz e juiz natural, e Carlos Alexandre seria tudo menos um juiz natural.
Existe também o conceito de nulidade insanável, importantíssimo. E a Relação como salvação da ralação da pátria.
O povo genérico acha que a não pronúncia de Sócrates por corrupção é uma injustiça. Sócrates acha que qualquer acusação de um crime que lhe seja imputado é uma injustiça. Jura que é um inocente difamado. E a culpa é do jornalismo. A culpa é sempre do jornalismo. Está irritado, não se deixa intimidar. Entre a porta de saída do Campus e a garagem, assim se expressou mascarado. É um upgrade da manga do avião de Paris.
Sócrates diz que nunca falsificou documentos. E nem sabia que documentos eram.
Do mesmo modo, o uso da golden share era da competência dos ministros de Sócrates e não de Sócrates, que nunca falava com os seus autónomos ministros. Qual golden share?
Sócrates nunca falou com os brasileiros sobre a entrada da PT na Oi, e muito menos com Lula. Com Lula só deviam falar de comida e de viagens, coisa várias e inócuas, para usar a expressão de Ivo Rosa para acusar a acusação.
Venezuela? Nada.
Parque Escolar? Nada.
TGV? Ana Paula Vitorino nunca falou disso com Sócrates. Só reportava a Mário Lino, que nunca falou disso com Sócrates. Paulo Campos? Nunca falou disso com Sócrates. O Grupo Lena nunca falou disso, ponto final. Ninguém reportava a Sócrates, nem Lula ousava fazê-lo. Deve ser porque todos eles tinham medo de José Sócrates. Et pour cause. Nem os gestores dos negócios, incluindo o Barroca, reportavam a Sócrates. Nem Santos Silva, que só carregava a carteira.
E o nó do problema, Ricardo Salgado? Prescreveu. Salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal. Houve crime? Parece que sim. Mas prescreveu. Mas não é claro, nada é claro. Se não tivesse prescrito haveria crime? A justiça precisa de tempo, o chamado tempo da justiça, quanto mais não seja para deixar prescrever os crimes e deixar passar os prazos.
De resto, era tudo mentira. Incluindo, para Sócrates, as entregas em dinheiro e pagamentos de 1,7 milhões de euros que ele usou na vida pessoal. Férias e outros gastos. Compra de simpatia, disse o juiz, e aquisição de vantagem patrimonial. Não era da mãe, era do filho (da mãe).
Vale de Lobo prescreveu. O Battaglia prescreveu. A Lena prescreveu, ou, como afirma Sócrates, devendo dizer antes o Lena, no masculino, prescreveu.
Capitais havia, e foram branqueados. Corrupção é que não havia e nunca houve. Prescreveu. Em Portugal, os grandes crimes prescrevem muito, na interpretação deste juiz e de outros interessados. E o dinheiro é anónimo e mexe-se sozinho. Circula sem dono.
Quanto a fraude fiscal, não interessava muito. Exceto a dos contribuintes certos que pagarão este processo. A outras manobras, chama-se às vezes planeamento fiscal agressivo.
Caiu tudo, até o direito penal económico. O crime de colarinho branco fica impune de sucateiro e bancário para cima. Banqueiro sai ileso.
Especulação e fantasia, é o que é. Especulou o juiz. Tal como uma eventual candidatura de José Sócrates à Presidência da República, como lhe foi perguntado. Um introspetivo Sócrates vai fazer esse debate consigo próprio, socraticamente. Eventualmente, num ecrã de televisão ao seu dispor. Hasta la vista, baby!
Foi inócua a acusação. Nunca deveria existir, diz Sócrates, que exigirá reparações. Reparações. Preparem a carteira (o Santos Silva não paga). E preparem o controle remoto.
E tudo isto é a face oculta de um regime democrático que entrou na agónica meia idade. Cinquenta anos depois do 25 de Abril, o Marquês pode dar cabo de tudo. Outros bem-aventurados nem precisam de se mexer muito para ganharem com esta aventura.
Fim (deu-me uma branca).
No Campus da injustiça (por uma tarde).
