Escultura da Grécia Arcaica
A escultura da Grécia arcaica representa os primeiros estágios de formação de uma tradição escultórica que se tornou uma das mais significativas em toda história desta arte no ocidente. O período Arcaico da Grécia Antiga é mal delimitado, havendo grande controvérsia entre os estudiosos do assunto. Geralmente se considera que inicia entre 700 e 650 a.C. e encerra entre 500 e 480 a.C., mas alguns indicam uma data bem mais recuada para seu início, 776 a.C., a da primeira Olimpíada. Neste período são lançadas as bases para o surgimento da escultura autônoma de grandes dimensões e da escultura monumental de decoração de edifícios. Essa evolução dependeu em suas origens da influência oriental e egípcia, mas logo adquiriu um caráter peculiar e original.
Durante muito tempo considerado um mero prelúdio para o Classicismo, hoje o período Arcaico é visto como um momento de intensa atividade intelectual, política e artística, durante o qual foram feitas conquistas decisivas para a consolidação da cultura grega como um todo, e a escultura que o representa possui grandes méritos próprios, sendo veículo de significados específicos e fundamentais para a sociedade de onde nasceu por meio do desenvolvimento de formas únicas.
Iniciando a partir de bases pouco auspiciosas, a escultura do período Arcaico, em suas etapas finais, alcançou elevados patamares de qualidade estética e complexidade formal, sinalizando a passagem de uma cultura praticamente anicônica para outra onde a visualidade e a figuração se tornaram predominantes, deixando amplo e seminal repertório de tipos e modos representativos, com a figura humana em situação privilegiada.
Há evidências de presença humana na região hoje conhecida como a Grécia — incluindo a porção continental e as ilhas — desde o Paleolítico, e nesses tempos primitivos seus artefatos se resumiam a ferramentas e armas simples em pedra e osso, e cerâmicas. Na Idade do Bronze já havia culturas de considerável florescimento artístico e cultural, as chamadas civilizações egeias, compreendendo as culturas Minoica, Cicládica e Micênica. Da civilização das ilhas Cíclades sobrevivem estatuetas em mármore e alabastro, algumas chegando a grandes dimensões, em sua maioria representando deidades femininas de braços cruzados junto ao peito, mas existindo exemplares masculinos e outros em posições diversas, peças se tornaram famosas e colecionadas com avidez por suas formas altamente estilizadas que lembram um pouco a escultura moderna. Mas exatamente esse grande interesse causou sérios problemas para a pesquisa arqueológica. Somente cerca de 10% das esculturas cicládicas hoje conhecidas têm procedência comprovada, e suspeita-se que o restante possa ser falsificações recentes, insegurança que complica a descrição e o estudo das funções e significados desta produção. Algumas peças apresentam vestígios de pigmento, indicando que em épocas remotas já se havia estabelecido a prática de pintura de superfície das esculturas, que seria continuada ao longo de toda a história da escultura na Grécia Antiga.
Ídolo cicládico, c. 2 800-2 300 a.C. Mais ou menos contemporânea à cultura Cicládica foi a cultura minoica, florescendo em Creta. O que chegou a nós de sua escultura são estatuetas de pequenas dimensões, das quais são célebres a Deusa com Serpentes, em faiança, encontrada com sua policromia intacta no palácio real de Cnossos, e o Jovem de Palecastro, em marfim, ouro, pedra e cristal de rocha, mas é possível que se tenham produzido também obras maiores em madeira. Suas formas são bastante mais elaboradas e naturalistas que as cicládicas, mas apresentam a mesma tendência à frontalidade. Na escultura em bronze os minoicos mostraram grande competência, tendo desenvolvido a técnica da cera perdida, e o período é sobremaneira importante porque nele se consolidou toda uma mítica em torno do processo criativo, personificada nas figuras do deus Hefesto, o artífice magistral, e de Dédalo, um personagem semilendário a quem se atribuiu a invenção da arte da escultura e poderes mágicos de animação de estátuas, e cuja origem parece ter sido oriental. A localização de Dédalo nesta época, contudo, parece ser uma elaboração bem posterior da tradição, e é mais plausível que ele tenha sido um escultor do século VII a.C., se é que existiu de fato. Estudos recentes têm apontado ainda a possibilidade de terem havido dois Dédalos: um arquiteto-construtor minoico, e outro um escultor do período Arcaico inicial ou Orientalizante, também chamado por vezes Dedálico em sua homenagem.
No final do II milênio a.C., porém, todas essas culturas haviam sucumbido, iniciando o que se chamou de Idade das Trevas. Por razões ainda não completamente elucidadas a população local declinou drasticamente, a economia entrou em colapso, a escrita deixou de ser praticada, as artes regrediram e o repertório de representação figurativa desapareceu quase por completo. Somente depois de meados do século VIII a.C. acontece um progressivo rearranjo social, incorporando invasores dos Bálcãs e o remanescente dos povos autóctones, que possibilitaria um ressurgimento cultural que doravante não conheceria interrupção até a conquista da Grécia pelos romanos no século II a.C.
Um período ainda antecede o Arcaico propriamente dito, o Geométrico, no qual gradualmente se restabelece a representação figurativa, numa fundação quase inteiramente nova da linguagem visual. Sua escultura provavelmente foi influenciada pela arte dos povos invasores, que trouxeram consigo uma tendência analítica de concepção das obras em seções distintas e em formas essenciais, sendo quase apenas silhuetas — um triângulo para o torso, um círculo para a cabeça, e assim por diante. Os bronzes geométricos mais antigos são muito achatados, e parecem ter sido criados como recortes de placas do metal, e mostram traços rústicos. Peças em terracota mostram uma volumetria mais completa. Os bronzes mais recentes são similares nesse ponto, acompanhando o desenvolvimento da técnica de fundição, e o espaço começa a ser mais explorado através de peças representando carruagens e composições de grupos. No caso das figuras humanas, as distinções de gênero são esquemáticas: os homens estão nus e as mulheres vestidas; quando nos raros casos em que elas estão nuas, apresentam seios mas não genitais.
Mais tarde, aparece a Civilização Micênica no continente, que deixou testemunhos materiais de grande importância em imponentes edificações em pedra e artefatos sofisticados em ouro, encontrados especialmente em Tirinto, Argos, Troia e Micenas. A arquitetura palaciana remanescente nesses sítios arqueológicos demonstra um grau avançado de habilidade no manejo da pedra, e seu esquema construtivo deu mais tarde origem ao projeto do templo grego. Em Micenas existem alguns dos primeiros exemplos de escultura arquitetural da Grécia, particularmente bem conseguida no Portal dos Leões, onde dois leões estilizados, de linhas limpas e vigorosas, se postam simetricamente sobre o lintel da entrada do palácio. O Portal dos Leões, contudo, por suas grandes dimensões, é uma exceção, assim como uma cabeça de mulher em terracota policroma que pode ser parte de um dos mais antigos exemplos de estatuária de culto em tamanho natural encontrados da Grécia. Os demais achados micênicos em geral são peças diminutas em terracota. Dada a escassez de evidências mais completas, é difícil estabelecer generalizações sobre a prática de escultura entre eles, e apesar de sua habilidade com os metais, especialmente os preciosos, louvada por Homero em vívidas descrições, não sobrevive nenhuma relíquia escultural em bronze desse período.