Andes explica biodiversidade
Pesquisa publicada na revista Science apresentou modelo que simula como se desenvolveu a biodiversidade da América do Sul.
Como a vida se distribui na Terra? Por que há tantas espécies na Amazônia? Perguntas como essas têm sido respondidas com base apenas na observação da natureza. As hipóteses costumam levar em conta apenas um fator específico, como clima ou água, e deixam outras explicações de lado, gerando lacunas e contradições nesse entendimento. Um grupo de pesquisadores liderados pelo professor Thiago Rangel, do Instituto de Ciências Biológicas da UFG, criou um sistema simulador da biodiversidade na América do Sul dentro da realidade virtual. A pesquisa publicada na revista Science, em julho, apresentou um modelo computacional que permitiu unir diversas explicações e hipóteses para a biodiversidade na América do Sul com dados climatológicos dos últimos 800 mil anos. Foram cobertos 8 ciclos de glaciação.
No modelo, desenhado com base em dados climatológicos desse período de quase um milhão de anos, fornecidos por pesquisadores britânicos, foi simulada a biodiversidade de biomas como o do Atacama, o da Amazônia e o da Mata Atlântica. "Assim, observamos como as linhagens de espécies têm evoluído diante das mudanças climáticas. Fomos ajustando de forma que melhor correspondesse ao mundo real", explica Thiago Rangel.
Na imagem percebe-se que a biodiversidade simulada é muito próxima do mapa real de espécies de aves.
A conclusão a que os pesquisadores chegaram é que o fato dos Andes estarem bem ao lado da Amazônia, gerando uma combinação única na Terra de uma cordilheira longa e fina que passa por climas quentes e frios no eixo norte-sul exatamente ao lado de uma floresta tropical úmida, permitiu que, durante ciclos de oscilação climática, como a era do gelo, espécies pudessem se refugiar nos Andes durante o aquecimento e na Amazônia durante o resfriamento.
A escolha da América do Sul não foi por acaso. "É um continente de muitos contrastes na biodiversidade, pois temos o Atacama (com biodiversidade mínima) muito próximo da Amazônia (com biodiversidade incomparável). Então, nada melhor do que testar as explicações para surgimento da biodiversidade no continente mais desafiador do ponto de vista científico", afirma o professor. E completa: "Para nossa surpresa, nosso modelo não apenas indica com grande precisão a biodiversidade na América do Sul, mas também informa os locais onde historicamente a maior parte das espécies surgiu, extinguiu ou sobreviveu".
Berçários, museus e cemitérios
O modelo indica onde as espécies surgem, persistem ou são extintas, o que o professor Thiago chama de berçários, museus e cemitérios das espécies. Os Andes promovem o surgimento e a manutenção de espécies, pois quando está frio, as espécies ficam na parte baixa e, quando está quente, elas sobem, permitindo que continuem se desenvolvendo. No entanto, em momentos de mudanças climáticas, os Andes também são responsáveis pela extinção de espécies, dividindo populações.
Outra descoberta do modelo é que as variações climáticas permitem, de tempos em tempos, que as espécies andinas se relacionem com as da Mata Atlântica e se isolem em outros momentos, fazendo que surjam espécies diferentes que, no entanto, são parecidas.
O modelo também permite retirar elementos reais para ver como seria a biodiversidade caso o elemento não existisse. Por isso, os cientistas retiraram os Andes, terraplanando o território para ver como seria o resultado padrão da biodiversidade. "O resultado é que a biodiversidade iria desaparecer dessa região caso os Andes não existissem", afirma Thiago, o que confirma a importância da cadeia de montanhas como berçário da biodiversidade. O professor também afirma que as atuais mudanças climáticas já estão alterando a biodiversidade na Terra, de uma forma sem precedentes na história, e o modelo percebe isso.
Novos rumos da pesquisa
O professor explica que o modelo ainda pode ser melhorado em pesquisas posteriores. "Não consideramos, por exemplo, o papel dos rios amazônicos que são verdadeiros mares e podem separar populações de uma mesma espécie, fazendo surgir outras", explica. Também informa que a intenção é utilizar faixas de tempo cada vez maiores do que os 800 mil anos utilizados nesse modelo. "Parece muito tempo, mas não é nada para o planeta. Quanto maior for essa faixa de tempo, mais nos aproximaremos de resultados reais", explica.
Formado pela UFG, Thiago Rangel é o primeiro a publicar artigo na revista Science pela instituição. Graduado na universidade e atualmente professor do ICB, está também vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da UFG, um programa de excelência com nota 6 da Capes. Para o professor, o fato de ter sido formado inicialmente na UFG é motivo ainda maior de orgulho para a universidade que vem crescendo em sua pesquisa.
A pesquisa, financiada com recursos da Capes pelo Programa Ciência sem Fronteiras, foi feita por um grupo internacional, com quatro pesquisadores vinculados ao PPG em Ecologia e Evolução da UFG, dois britânicos, um americano, um holandês e um dinamarquês, reunindo informações de diversas subáreas da biodiversidade.