A relação entre as preposições e a regência verbal
A esta altura, você provavelmente já sabe o que é a linguística, o que ela estuda e quais os níveis de análise. Mas se você não sabe, sem problemas. Vamos fazer uma recapitulação rápida especialmente para você.
A linguística é uma ciência humana que se dedica ao estudo da linguagem verbal – entendida como o uso da linguagem em sua forma escrita e falada que se valha de signos linguísticos, ou seja, a língua. Para facilitar e tornar este estudo mais lógico, a linguagem verbal é dividida em níveis de análise. Assim, de forma extremamente simplificada, temos os seguintes níveis:
- Fonológico: estudo das letras e sílabas, incluindo aí a acentuação de palavras;
- Morfológico: estudos as letras e sílabas que formam as palavras. Aqui entra o estudo da formação de palavras, prefixos e sufixos e neologismo (formação de novas palavras);
- Sintático: este nível estuda a relação estabelecida entre as palavras que formam as frases. Orações coordenadas, sujeito e predicado e concordância verbo-nominal são exemplos de objetos de estudo deste nível;
- Semântico: aqui, estudam-se as relações que as frases estabelecem umas com as outras no nível do texto e seus significados;
- Pragmático: o estudo pragmático aborda a linguagem em determinado contexto de uso, ou seja, não se trata de algo estritamente linguístico;
- Discursivo: este nível também considera o contexto de comunicação, mas acrescido de variáveis sociais, culturais e históricas.
Neste artigo, nossos esforços estarão concentrados no nível sintático, pois é nele que se situa nosso principal objeto de investigação, a relação estabelecida entre preposições e regência verbal.
Entendendo a Regência Verbal
De forma muito simples, podemos conceituar a regência verbal como a concordância que o verbo da oração estabelece com seus complementos. Geralmente, quando uma frase exige preposição para que a regência verbal fique correta, tendemos a usar o “que”, como em:
- A casa em QUE moro.
Em situações informais, como uma conversa com familiares ou mesmo em um e-mail trocado com um amigo, o uso deste “que” não está incorreto, além de seu uso ser completamente compreensível – para ter ideia, o “que” pode desempenhar 27 diferentes funções gramaticais em língua portuguesa, o que torna o seu emprego inadequado quase uma regra em situações informais. No entanto, na norma culta, utilizada em conversas e ocasiões formais, como em provas, discursos oficiais, e-mails de trabalho, etc., o uso do “que” está errado, pois ele não concorda com o verbo. O correto seria:
- A casa NA QUAL moro.
Mas por que (2) está correto e não (1)? Pois o verbo morar é um verbo transitivo na situação de emprego, ou seja, quem mora em algum lugar – moro onde? Na casa. Por isso a preposição correta neste contexto é “na qual” e não “que”. Vamos analisar a relação entre regência verbal e preposição segundo a transitividade do verbo.
Regência Verbal e Transitividade
Talvez o aspecto mais interessante da regência verbal é que, de acordo com a preposição utilizada, o significado do verbo pode ser alterado. Vamos a um exemplo para deixar isso mais claro.
- (3) Ela agrada O namorado.
- (4) Ela agrada AO namorado.
À primeira vista, pode parecer que ambas as frases têm o mesmo significado, mas com um olhar mais apurado podemos concluir que em (3) o verbo se coloca no sentido de “dar carinho”, “ser carinhosa”, enquanto que em (4) seu sentido é “agradar”, “proporcionar”.
Verbos Intransitivos
O verbo mais fácil de determinar a regência verbal é sem dúvida o intransitivo (VI). Um verbo intransitivo não pede nenhum complemento, ou seja, não possui nenhum objeto, conforme o exemplo abaixo:
- (5) Hoje choveu.
Portanto, se não há complemento não há preposição, pois é ela quem introduz os complementos.
Verbos Transitivos Diretos
No caso dos verbos transitivos diretos (VTD), também não é necessário o uso de preposição, pois o verbo é complementado por objeto direto, como em:
- (6) Tenho que ir até o mercado.
O objeto direto do verbo “ir” é “mercado”, que não exige preposição (lembre-se que o “o” é artigo, e não preposição). Assim, VTDs também não exigem preposição.
Verbos Transitivos Indiretos
Ao contrário do VI e VTD, os verbos transitivos indiretos exigem preposição, pois um dos complementos do verbo é o objeto indireto, como em:
- (7) Devemos sempre obedecer AO que nossos pais falam.
Verbos Bitransitivos
Os verbos bitransitivos mudam de classificação conforme o contexto, por isso é necessário estar sempre atento(a). Um bom exemplo deste tipo de verbo é aspirar, como em:
- (8) Ela aspirou o ar puro da manhã.
- (9) Ela sempre aspirou A vitória na competição.
Assim, quando o verbo é utilizado com o sentido de “inspirar”, ele é um transitivo direto, ou seja, dispensa o uso de preposição. Já quando tem o sentido de “desejar”, trata-se de um VTI, e por isso existe a preposição “a”.
A partir de tudo o que foi dito, podemos concluir que para determinar corretamente a relação que a regência verbal estabelece com as preposições, é necessário sempre analisar o contexto e a transitividade do verbo.